domingo, 12 de dezembro de 2010

Sintomas

- Doutor – disse o homem, tenso, com uma fisgada nervosa no olho -, eu não to... não to nada bem...
O médico, um senhor, que devia ter se aposentado há pelo menos uma década, ouvia pacientemente o homem, e o encorajou a continuar falando.
- Me diga, o que você sente?
- Eu broxei... – despejou, como se jogasse um duro, ou melhor, pesado fardo fora de suas costas – e você sabe o que isso significa Doutor?! É uma vergonha! Uma humilhação que vai se tornar pública e me assolar pelo resto da minha existência!
- Meu jovem, isso acontece com todo homem. E digo mais, todas as mulheres broxam, mas elas fingem muito bem, já que no caso delas, a excitação não é visivel...
- Doutor, meu avô, de 80 anos, é casado com uma mulher de 30... minha avó casou grávida. Minha outra avó nem a garotada dava conta dela... é histórico na minha família, somos todos bons de cama! Mas eu não, porque eu broxei!
O jovem dizia isso com vergonha, como um garoto de 4 anos que foi pego com o dedo na tomada.
- Ok, vamos tentar de outra forma. Me diga como aconteceu. Me conte como foi o seu dia desde que você levantou da cama.
- Foi normal. Me levantei as 5 e 30. Me troquei e fui pro trabalho. Resolvi um monte de problemas e briguei com meu chefe. Aquele cretino, nunca aceita minhas opiniões. Almocei por volta da 1 hora da tarde. Voltei pra uma reunião com meu superior. Mas não deu pra ser finalizada porque meu gerente tinha prioridade em um relatório urgente, que eu não pude terminar porque deu problema no sistema. Foi quando finalmente pude fazer a reunião com meu superior... mas a força acabou, o que nos deixou sem as planilhas, e já eram 19 horas, e eu achei melhor ir embora. Cheguei em casa, morto, cochilei um pouco, acordei por volta das 23 horas e tomei um banho antes de jantar. Foi quando minha esposa me chamou pra gente dá umazinha...
- Puta que o pariu! – solta o médico – Você tomou café da manhã?
- Não me lembro, acho que sim.
- Você costuma fazer quantas refeições ao longo do dia?
- Três, no máximo quatro, Doutor.
- Suas atividades cotidianas do trabalho. Você sempre as concluí dentro do prazo estabelecido?
- Bem que eu queria... mas sempre tem algum problema mais urgente surgindo no meio do caminho...
- E seu chefe entende isso?
- É claro que não. Eu sou pago pra antever e solucionar problemas.
- Você tem o dom da vidência? Desculpe, esquece isso que eu falei. Me fale sobre essa canseira que você sente, e que faz você chegar na sua casa e dormir até as 23 da noite.
- Ah, Doutor, eu só queria que meu dia acabasse logo, poder descansar e desligar minha cabeça. Sem ninguém me perguntando nada, me ligando, me cobrando, e eu tendo que me justificar.
- Entendo.
- E depois a gente quer relaxar, o senhor sabe. Namorar um pouco.
- Sim eu entendo. Entendo perfeitamente que só você não percebeu que ia broxar. Você trata a si mesmo de uma maneira terrível... até seu avô vai broxar com um ritmo de vida como esse! E você ainda me diz que este é um dia normal! Você faz três refeições ao dia quando o mínimo é comer com intervalos de três a quatro horas. Está desgastado com o trabalho, e o sono excessivo que indica o possível inicio de uma depressão. Cobranças excessivas, desorganização e falta de prioridades, o que está refletindo na sua auto-estima. Sua vida ta uma puta duma zona, meu filho.
- Doutor?
- É isso mesmo, e não me olha desse jeito. Escuta o velho aqui.
- Ta, me diz o que eu vou precisar tomar pra eu não broxar mais...
- Não é assim que funciona! Pelamordedeus! Vai se exercitar! Criar amor próprio, pra poder brigar pelo seu ponto de vista, e mostrar que você ta certo pro idiota do teu chefe. Tire umas férias, que aposto você não tira há um bom tempo. Enquanto você viver assim, não há pinto que levante, meu caro.

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